Uma porta aberta, um refúgio seguro para fugir à morte. Foi o que
representou quase 150 conventos, igrejas e casas pertencentes a ordens
religiosas que no auge da perseguição nazista ofereceram reparo a cerca de
4.500 judeus de Roma, quase a metade da comunidade judaica da capital, na época
formada por 10 a 12 mil pessoas.
O rastreamento de 16 de outubro de 1943 durou exatamente oito horas e
meia, das 5h30 até as 14h. Era um sábado, dia de festa e repouso para a
religião judaica, dia escolhido não a caso pelo projeto diabólico dos nazistas,
cuja intenção era eliminar um povo inteiro. Ao concluir a operação, nas ruas
desertas do gueto judeu de Roma, ainda ressoavam os gritos de desespero dos
1.259 judeus romanos, dos quais 689 mulheres, 363 homens e 207 meninos e
meninas, arrancados de suas casas à força pelas tropas da Gestapo. Dos presos,
1.023 foram logo deportados para os campos de concentração de Auschwitz, e
apenas 16 voltaram às suas casas. Outros conseguiram fugir em busca de ajuda
algumas horas antes da incursão daquela noite.
Impossível quantificar com exatidão o número total de judeus escondidos
ou salvados pela Igreja Católica. Os motivos são muitos: em primeiro lugar a
falta quase total de documentação escrita que por prudência e para evitar
rastreabilidade comprometedora foi evitada. Também não se pode omitir o
vergonhoso fenômeno das delações. Por isso, a pesquisa histórica destes
acontecimentos são baseadas principalmente nos testemunhos orais. Descobre-se
situações muito diversificadas: judeus escondidos em casas religiosas por livre
iniciativa das mesmas, ou hospedados em mosteiros de clausura sob indicação e
concessão da Santa Sé, lugares cristãos como as Catacumbas de Priscila, que se
tornaram pontos de referência para a rede de documentos falsos, às casas
religiosas que eram abastecidas pelo Vaticano e que depois distribuíam
alimentos aos refugiados que abrigavam. E também as estruturas que abriam suas
portas gratuitamente e as que pediam pagamento de uma mensalidade.
A hospitalidade acontecia de várias maneiras: da acolhida de famílias
inteiras, à de somente homens ou mulheres e crianças. Em muitos casos, por
motivos de segurança, os refugiados deviam aprender orações cristãs, e até
mesmo usar batinas por causa da blitz dos nazifascistas. A maior parte dos
testemunhos confirma um total respeito por parte das irmãs e sacerdotes pela
crença judaica. Sem dúvida, os meses de convivência foram uma ocasião de
conhecimento inter-religioso que ajudou a dissipar muitos preconceitos
recíprocos.
O refúgio em Igrejas e conventos emerge frequentemente nas histórias dos
sobreviventes. A acolhida dos judeus foi realizada em num amplo contexto: desde
procurados por motivos políticos, aos deslocados e aos órfãos. Durante uma
emergência que durou meses, as comunidades religiosas levaram adiante suas
atividades normais compartilhando com os hóspedes o que havia de disponível em
casa devido às dificuldades econômicas impostas pela guerra. Nos hospitais, os
refugiados se camuflavam de pacientes, nas escolas de estudantes, nos
institutos de caridade de inválidos.
As famílias judias chegavam às casas religiosas muitas vezes por
conhecimento direto ou por meio de listas de conventos assinalados
clandestinamente pelos bispos aos comitês judaicos de assistência. Alguns
tinham recomendações influentes, outros batiam às portas das igrejas e
mosteiros na desesperada tentativa de encontrar reparo. O então secretário
particular de Pio XII, Robert Leiber confirmaria em 1961 que o Papa comunicara
que as casas religiosas “podiam e deviam” dar refúgio aos judeus. Também deve
ser recordado que entre setembro e outubro de 1943 a Secretaria de Estado e o
Vicariato de Roma mandaram distribuir aos vários institutos religiosos placas
com a escrita de que eram territórios do Vaticano, (extra-territoriais em
relação à Itália) com o objetivo de evitar perseguições e irrupções.
Dos 486 italianos proclamados “Justos ente as Nações” pelo Yad Vashem, o
memorial israelense do Holocausto que desde 1962 examina os dossiês dos não
judeus que salvaram judeus durante o Holocausto, cerca de um oitavo pertence ao
clero católico: 30 sacedotes dicoesanos, 12 religioso, 15 religiosas e 4 bispos.